Resultado da evolução do pensamento
jurídico, o Estado Democrático de Direito incorpora tanto às liberdades
conquistadas pelo movimento Liberal, como uma gama de garantias, que por sua
vez encontram-se direcionadas a executar uma transformação social norteada
pelos ideais de igualdade e justiça. A mera positivação desses direitos não foi
suficiente para sua efetivação, exigindo do Estado uma postura ativa perante as
demandas da população, de modo que agora sustenta o dever de intervir na
sociedade, não para executar um ato de caridade para com os menos
favorecidos, mas sim para efetivar um direito constitucionalmente garantido.
A necessidade de se buscar a manutenção
das atuais instituições estatais tem por objetivo resguardar os direitos
fundamentais, a partir do o equilíbrio entre suas diversas modalidades de
poder, e destas com as forças sociais, a fim de proporcionar o ambiente
minimamente necessário para a execução de suas finalidades essenciais.
Portanto, o equilíbrio entre aqueles órgãos que exercem o poder estatal é de
vital importância, pois de fato é nos instantes de instabilidade que surgem à
oportunidade para os argumentos ensejadores de uma politica eivada pelo
arbítrio, que por sua vez se direcionam ao Estado de exceção, e por derradeiro
a violação dos direitos fundamentais. Nesta esteira, a teoria da separação dos
poderes do Estado emerge como uma solução para as arbitrariedades havidas pelo
exercício ilimitado do poder.
Sob os ideais do Liberalismo, o controle
do poder do Estado pelo Estado, se fez necessário para coibir o despotismo e a
tirania[1],
pois conforme célebre ensinamento de Montesquieu, todo homem que tem poder é
tentado a dele abusar. O Estado Democrático de Direito tem por natureza a
equalização das diversas forças que nele operam, além de coibir o autoritarismo
e ao abuso de poder por aquele que detém o seu exercício. No Brasil, com a
Constituição de 1988, a aplicação prática da Separação dos Poderes assume
relevante papel, garantindo assim a perenidade das atuais instituições do país.
Portanto, dividir o exercício do Poder
do Estado[2]
entre órgãos, independentes e harmônicos, foi um dos meios aplicados pela nossa
Carta Política no intuito de se evitar um retrocesso politico a um modelo
estatal que não respeita os direitos fundamentais, por exemplo, como ocorrera
anteriormente nos tempos de ditadura militar que por duas décadas controlou
nosso país. Instituiu-se então, o modelo de
descentralização do governo como parte do processo de redemocratização,
e o sistema de separação dos poderes, com o fim de se evitar definitivamente à
volta ao Estado ditatorial, bem como, de se estabelecer no Brasil os ideais de
Estado Democrático de Direito como paradigma para as próximas gerações.
A
divisão segundo o critério funcional é a célebre ‘separação de Poderes’, que
consiste em distinguir três funções estatais, quais sejam, legislação,
administração e jurisdição, que devem ser atribuídas a três órgãos autônomos
entre si, que as exercerão com exclusividade, foi esboçada pela primeira vez por
Aristóteles, na obra, “Política”, detalhada, posteriormente por John Locke, no
Segundo tratado do governo civil, que também reconheceu três funções distintas
(...). E, finalmente, consagrada na obra de Montesquieu o espírito das leis, a
quem devemos a divisão e distribuição clássicas, tornando-se principio
fundamental da organização política liberal e transformando-se em dogma pelo
art. 16 da Declaração Francesa de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789,
e é prevista no art. 2º da nossa Constituição Federal. (MORAES, 2007, p. 393).
Nesse diapasão, a imposição feita pelo
texto constitucional determina que estes órgãos devam ser independentes e
harmônicos entre si[3], na medida em que devem
exercer as funções a que competem sem a interveniência dos demais Poderes,
orientando o suas relações pelos preceitos do respeito e da cooperação.
Apesar do termo “separação dos poderes”,
Eros Grau (2000, p. 174) expõe que Montesquieu jamais tenha cogitado sobre uma
estratificação efetiva, e completa ao dispor que ele “na verdade enuncia a
moderação entre eles como a divisão dos poderes entre as potências e a
limitação ou moderação das pretensões de uma potência pelo poder das outras”.
Na verdade sua referencia se dirigia a uma divisão entre as funções do Estado,
no sentido de que cada órgão se especializasse dentro de sua competência,
porém, atuando em conjunto de maneira sinérgica no atendimento dos mandamentos
constitucionais, ao passo que cada um desses órgãos não dependesse do outro
para desenvolver sua atuação.
A hermenêutica atual sobre a questão da
independência e harmonia entre os Poderes já não aceita mais esta separação
rígida e absoluta, pois muitos já consideram tal termo anacrônico, sendo mais
apropriado o uso do termo “colaboração de poderes” em substituição ao termo
“separação de poderes”.
Hoje,
o principio não configura mais aquela rigidez de outrora. A ampliação das
atividades do Estado contemporâneo impôs nova visão da teoria da separação de
poderes e novas formas de relacionamento entre os órgãos legislativo e
executivo e destes com o judiciário, tanto que atualmente se prefere falar em
colaboração de poderes, que é característica do parlamentarismo, em que o
governo depende da confiança do Parlamento (Câmara dos Deputados), enquanto, no
presidencialismo, desenvolveram-se as técnicas da independência orgânica e
harmonia dos poderes. (SILVA, 2007, p. 109).
A doutrina recente, também reconhece a
necessidade da relação de cooperação entre os poderes, na medida em que um
seria responsável pela fiscalização dos atos do outro, portanto, os haveria a
possibilidade de mútua intervenção[4],
uns nos outros, a fim de que estabeleçam limites a suas atuações às balizas
constitucionais, buscando a efetivação dos anseios coletivos e individuais
Cabe
assinalar que nem a divisão de funções entre os órgãos do poder nem sua
independência são absolutas. Há interferências, que visam ao estabelecimento de
um sistema de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à
realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o
desmando de um em detrimento do outro e especialmente dos governados. (SILVA,
2007, p. 110).
Há a afirmação de que apesar da
expressão “separação dos poderes”, o Poder o do Estado é uno e, portanto, insuscetível à fragmentação. Logo, o que em
verdade ocorre é uma divisão das suas funções que devem ser exercidas por
órgãos “independentes e harmônicos entre si”, conforme leciona Américo Bedê
Freire Junior (2005, p. 3), ao dispor que “o poder estatal é um só,
materializado na Constituição, da qual se extrai que a separação das funções
deve viabilizar a máxima efetividade das normas constitucionais”.
O princípio da máxima efetividade dos
direitos fundamentais está expressamente disposto na Constituição Federal de
1988, em seu artigo 5º, § 1º: “as normas definidoras dos direitos e garantias
fundamentais têm aplicação imediata”. Resta então evidenciado que a
interpretação das normas constitucionais deve sempre buscar a produzir efeitos
concretos, de maneira a utilizar todas as suas potencialidades ao seu alcance.
O controle do exercício do poder do Estado se mostra necessário no sentido
de evitar os prováveis desvios nas ações destinadas à garantia dos direitos
fundamentais, coibindo aquelas que sugerem impedir a máxima efetividade das
normas constitucionais. Ademais, tal controle é apontado por alguns como
paradigma dos modernos modelos estatais ocidentais, pois sua aplicação se torna
plenamente cabível à luz do pensamento neoconstitucionalista, devido a sua
compatibilidade aos ideais do Estado Democrático de Direito garantidores dos
Direitos Fundamentais.
NOTAS:
[1] Alexandre de Moraes (2007, p.
393) ensina que a separação dos poderes visa, principalmente, evitar o arbítrio
e o desrespeito aos direitos fundamentais do homem, e para que seja um método
eficaz na garantia da estabilidade do Estado, devem ser independentes e
harmônicos entre si, repartindo entre eles as funções estatais.
[2] José Afonso da Silva (2007, p.
109) reconhece a importância de Aristóteles, Locke, Rousseau e Montesquieu,
para o desenvolvimento e aprimoramento da separação dos poderes, atribuindo a este
último, porém, a exposição mais importante sobre o tema, ao considerar que é a
partir de seus apontamentos que se amolda para aquilo que hoje está inserido em
nossa Carta Magna e nos textos constitucionais da maioria dos Estados
Civilizados: “O
principio da separação de poderes já se encontra sugerido em Aristóteles, John
Locke e Rousseau, que também conceberam uma doutrina de separação de poderes,
que, afinal, em termos diversos, veio a ser definida e divulgada por
Montesquieu. Teve objetivação positiva nas Constituições das ex-colônias
inglesas da América, concretizando-se em definitivo na Constituição dos Estados
Unidos de 17.09.1787. Tornou-se, com a revolução Francesa, um dogma
constitucional, a ponto de o art. 16 da declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão de 1789 declarar que não teria constituição a sociedade que não
assegurasse a separação de poderes, tal a compreensão de que ela constitui
técnica de extrema relevância para a garantia dos Direitos do Homem, como ainda
o é”.
[3] A fim de ilustrar o significado
da independência entre os Poderes, José Afonso da Silva (2007, p. 110) nos
elenca vários exemplos sobre a atuação e a forma em que se apresenta, dentre as
quais se destaca que os Poderes Estatais “no exercício das atribuições que lhes
sejam próprias, não precisam os titulares consultar os outros”, por este
critério pode então agir dentro de um planejamento próprio para a execução dos
objetivos a que se destina, e ainda que, “na organização dos respectivos
serviços, cada um é livre, observadas apenas as disposições legais e
constitucionais”. Por seu turno, “a harmonia entre os poderes verifica-se
primeiramente pelas normas de cortesia no trato recíproco e no respeito às
prerrogativas e faculdades a que mutuamente todos têm direito”.
[4]
Portanto, não só há a possibilidade de interveniência entre os poderes, como
também se revela de vital importância, no que tange ao equilíbrio entre os
órgãos que exercem o poder soberano do Estado, na medida em que todos devem
posicionar-se hierarquicamente em posições equivalentes, porém, tal ação
interventiva tem sua legitimidade estritamente vinculada aos casos em que não
há o atendimento das normas constitucionais, seja de forma comissiva ou por uma
omissão.
REFERÊNCIAS:
FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê. O controle
judicial de politicas públicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o
direito pressuposto. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
MORAES, Alexandre de. Direito
constitucional. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2007.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito
constitucional positivo. 29. ed. rev. e atualizada até a Emenda
Constitucional n. 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007.
Glalber da Costa Cypreste Queiroz é Mestre em Segurança
Pública, Especialista em Direito Público e Graduado em Direito. E-mail:
glalberqueiroz@gmail.com
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