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segunda-feira, 11 de julho de 2016

DIREITO CONSTITUCIONAL: CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES

Resultado da evolução do pensamento jurídico, o Estado Democrático de Direito incorpora tanto às liberdades conquistadas pelo movimento Liberal, como uma gama de garantias, que por sua vez encontram-se direcionadas a executar uma transformação social norteada pelos ideais de igualdade e justiça. A mera positivação desses direitos não foi suficiente para sua efetivação, exigindo do Estado uma postura ativa perante as demandas da população, de modo que agora sustenta o dever de intervir na sociedade, não para executar um ato de caridade para com os menos favorecidos, mas sim para efetivar um direito constitucionalmente garantido.
A necessidade de se buscar a manutenção das atuais instituições estatais tem por objetivo resguardar os direitos fundamentais, a partir do o equilíbrio entre suas diversas modalidades de poder, e destas com as forças sociais, a fim de proporcionar o ambiente minimamente necessário para a execução de suas finalidades essenciais. Portanto, o equilíbrio entre aqueles órgãos que exercem o poder estatal é de vital importância, pois de fato é nos instantes de instabilidade que surgem à oportunidade para os argumentos ensejadores de uma politica eivada pelo arbítrio, que por sua vez se direcionam ao Estado de exceção, e por derradeiro a violação dos direitos fundamentais. Nesta esteira, a teoria da separação dos poderes do Estado emerge como uma solução para as arbitrariedades havidas pelo exercício ilimitado do poder.
Sob os ideais do Liberalismo, o controle do poder do Estado pelo Estado, se fez necessário para coibir o despotismo e a tirania[1], pois conforme célebre ensinamento de Montesquieu, todo homem que tem poder é tentado a dele abusar. O Estado Democrático de Direito tem por natureza a equalização das diversas forças que nele operam, além de coibir o autoritarismo e ao abuso de poder por aquele que detém o seu exercício. No Brasil, com a Constituição de 1988, a aplicação prática da Separação dos Poderes assume relevante papel, garantindo assim a perenidade das atuais instituições do país.
Portanto, dividir o exercício do Poder do Estado[2] entre órgãos, independentes e harmônicos, foi um dos meios aplicados pela nossa Carta Política no intuito de se evitar um retrocesso politico a um modelo estatal que não respeita os direitos fundamentais, por exemplo, como ocorrera anteriormente nos tempos de ditadura militar que por duas décadas controlou nosso país. Instituiu-se então, o modelo de descentralização do governo como parte do processo de redemocratização, e o sistema de separação dos poderes, com o fim de se evitar definitivamente à volta ao Estado ditatorial, bem como, de se estabelecer no Brasil os ideais de Estado Democrático de Direito como paradigma para as próximas gerações.
A divisão segundo o critério funcional é a célebre ‘separação de Poderes’, que consiste em distinguir três funções estatais, quais sejam, legislação, administração e jurisdição, que devem ser atribuídas a três órgãos autônomos entre si, que as exercerão com exclusividade, foi esboçada pela primeira vez por Aristóteles, na obra, “Política”, detalhada, posteriormente por John Locke, no Segundo tratado do governo civil, que também reconheceu três funções distintas (...). E, finalmente, consagrada na obra de Montesquieu o espírito das leis, a quem devemos a divisão e distribuição clássicas, tornando-se principio fundamental da organização política liberal e transformando-se em dogma pelo art. 16 da Declaração Francesa de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, e é prevista no art. 2º da nossa Constituição Federal. (MORAES, 2007, p. 393).
Nesse diapasão, a imposição feita pelo texto constitucional determina que estes órgãos devam ser independentes e harmônicos entre si[3], na medida em que devem exercer as funções a que competem sem a interveniência dos demais Poderes, orientando o suas relações pelos preceitos do respeito e da cooperação.
Apesar do termo “separação dos poderes”, Eros Grau (2000, p. 174) expõe que Montesquieu jamais tenha cogitado sobre uma estratificação efetiva, e completa ao dispor que ele “na verdade enuncia a moderação entre eles como a divisão dos poderes entre as potências e a limitação ou moderação das pretensões de uma potência pelo poder das outras”. Na verdade sua referencia se dirigia a uma divisão entre as funções do Estado, no sentido de que cada órgão se especializasse dentro de sua competência, porém, atuando em conjunto de maneira sinérgica no atendimento dos mandamentos constitucionais, ao passo que cada um desses órgãos não dependesse do outro para desenvolver sua atuação.
A hermenêutica atual sobre a questão da independência e harmonia entre os Poderes já não aceita mais esta separação rígida e absoluta, pois muitos já consideram tal termo anacrônico, sendo mais apropriado o uso do termo “colaboração de poderes” em substituição ao termo “separação de poderes”.
Hoje, o principio não configura mais aquela rigidez de outrora. A ampliação das atividades do Estado contemporâneo impôs nova visão da teoria da separação de poderes e novas formas de relacionamento entre os órgãos legislativo e executivo e destes com o judiciário, tanto que atualmente se prefere falar em colaboração de poderes, que é característica do parlamentarismo, em que o governo depende da confiança do Parlamento (Câmara dos Deputados), enquanto, no presidencialismo, desenvolveram-se as técnicas da independência orgânica e harmonia dos poderes. (SILVA, 2007, p. 109).
A doutrina recente, também reconhece a necessidade da relação de cooperação entre os poderes, na medida em que um seria responsável pela fiscalização dos atos do outro, portanto, os haveria a possibilidade de mútua intervenção[4], uns nos outros, a fim de que estabeleçam limites a suas atuações às balizas constitucionais, buscando a efetivação dos anseios coletivos e individuais
Cabe assinalar que nem a divisão de funções entre os órgãos do poder nem sua independência são absolutas. Há interferências, que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o desmando de um em detrimento do outro e especialmente dos governados. (SILVA, 2007, p. 110).
Há a afirmação de que apesar da expressão “separação dos poderes”, o Poder o do Estado é uno e, portanto, insuscetível à fragmentação. Logo, o que em verdade ocorre é uma divisão das suas funções que devem ser exercidas por órgãos “independentes e harmônicos entre si”, conforme leciona Américo Bedê Freire Junior (2005, p. 3), ao dispor que “o poder estatal é um só, materializado na Constituição, da qual se extrai que a separação das funções deve viabilizar a máxima efetividade das normas constitucionais”.
O princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais está expressamente disposto na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, § 1º: “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Resta então evidenciado que a interpretação das normas constitucionais deve sempre buscar a produzir efeitos concretos, de maneira a utilizar todas as suas potencialidades ao seu alcance.
O controle do exercício do poder do Estado se mostra necessário no sentido de evitar os prováveis desvios nas ações destinadas à garantia dos direitos fundamentais, coibindo aquelas que sugerem impedir a máxima efetividade das normas constitucionais. Ademais, tal controle é apontado por alguns como paradigma dos modernos modelos estatais ocidentais, pois sua aplicação se torna plenamente cabível à luz do pensamento neoconstitucionalista, devido a sua compatibilidade aos ideais do Estado Democrático de Direito garantidores dos Direitos Fundamentais.

NOTAS:


[1] Alexandre de Moraes (2007, p. 393) ensina que a separação dos poderes visa, principalmente, evitar o arbítrio e o desrespeito aos direitos fundamentais do homem, e para que seja um método eficaz na garantia da estabilidade do Estado, devem ser independentes e harmônicos entre si, repartindo entre eles as funções estatais.
[2] José Afonso da Silva (2007, p. 109) reconhece a importância de Aristóteles, Locke, Rousseau e Montesquieu, para o desenvolvimento e aprimoramento da separação dos poderes, atribuindo a este último, porém, a exposição mais importante sobre o tema, ao considerar que é a partir de seus apontamentos que se amolda para aquilo que hoje está inserido em nossa Carta Magna e nos textos constitucionais da maioria dos Estados Civilizados: “O principio da separação de poderes já se encontra sugerido em Aristóteles, John Locke e Rousseau, que também conceberam uma doutrina de separação de poderes, que, afinal, em termos diversos, veio a ser definida e divulgada por Montesquieu. Teve objetivação positiva nas Constituições das ex-colônias inglesas da América, concretizando-se em definitivo na Constituição dos Estados Unidos de 17.09.1787. Tornou-se, com a revolução Francesa, um dogma constitucional, a ponto de o art. 16 da declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 declarar que não teria constituição a sociedade que não assegurasse a separação de poderes, tal a compreensão de que ela constitui técnica de extrema relevância para a garantia dos Direitos do Homem, como ainda o é”.
[3] A fim de ilustrar o significado da independência entre os Poderes, José Afonso da Silva (2007, p. 110) nos elenca vários exemplos sobre a atuação e a forma em que se apresenta, dentre as quais se destaca que os Poderes Estatais “no exercício das atribuições que lhes sejam próprias, não precisam os titulares consultar os outros”, por este critério pode então agir dentro de um planejamento próprio para a execução dos objetivos a que se destina, e ainda que, “na organização dos respectivos serviços, cada um é livre, observadas apenas as disposições legais e constitucionais”. Por seu turno, “a harmonia entre os poderes verifica-se primeiramente pelas normas de cortesia no trato recíproco e no respeito às prerrogativas e faculdades a que mutuamente todos têm direito”.
[4] Portanto, não só há a possibilidade de interveniência entre os poderes, como também se revela de vital importância, no que tange ao equilíbrio entre os órgãos que exercem o poder soberano do Estado, na medida em que todos devem posicionar-se hierarquicamente em posições equivalentes, porém, tal ação interventiva tem sua legitimidade estritamente vinculada aos casos em que não há o atendimento das normas constitucionais, seja de forma comissiva ou por uma omissão.


REFERÊNCIAS:

FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê. O controle judicial de politicas públicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. 
GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. 
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2007.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 29. ed. rev. e atualizada até a Emenda Constitucional n. 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. 



Glalber da Costa Cypreste Queiroz é Mestre em Segurança Pública, Especialista em Direito Público e Graduado em Direito. E-mail: glalberqueiroz@gmail.com



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