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domingo, 10 de julho de 2016

DIREITO CONSTITUCIONAL: POLÍTICAS PÚBLICAS E A PROMOÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

O Estado Democrático de Direito instituído pela Carta Politica de 1988, estabeleceu o controle independente das politicas públicas desenvolvidas pelos Poderes Legislativo e Executivo. Caracterizada pela série de dispositivos que visam não só a promoção da dignidade da pessoa humana entre seus cidadãos, mas também uma transformação social dentro do território brasileiro, a Constituição de 1988 concede vários direitos aos seus cidadãos, dentre eles alguns de matriz liberal que exige prestações negativas por parte do Estado, como por exemplo, parte dos ditames previstos no artigo 5º, além de outros, que dependem necessariamente de uma ação positiva para sua efetivação, herança do Estado Social, podendo ser exemplificados no art. 6º de nossa constituição.
Entretanto, antes de adentrar definitivamente ao conceito de políticas públicas, é imprescindível abordar o aspecto da política dentro do Estado. Ronald Dworkin (2002, p. 36) aborda a dicotomia entre a politica, que seria ligada a atividade do estado e exercida principalmente por sua função legislativa e administrativa, e os princípios, típicos da função jurisdicional exercida pelo judiciário:
Denomino “política” aquele tipo de padrão que estabelece um objetivo a ser alcançado, em geral uma melhoria em algum aspecto econômico, político ou social da comunidade (ainda que certos objetivos sejam negativos pelo fato de estipularem que algum estado atual deve ser protegido contra mudanças adversas). Denomino “princípio” um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência da justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade. Assim, o padrão que estabelece que os acidentes automobilísticos devem ser reduzidos é uma política e o padrão segundo o qual nenhum homem deve beneficiar-se de seus próprios delitos é um princípio. (DWORKIN, 2002, p. 36).
Os argumentos de política se destinam a estabelecer um objetivo coletivo, enquanto os argumentos de princípios, em razão de estes serem caracterizados pelas proposições que elencam direitos, visam ao estabelecimento de um direito individual (DWORKIN, 2002, p. 141). Dworkin ainda traça uma relação entre o direito e a política, como meio de se atingir a determinado objetivo. Ao considerar a política como exercida sem nenhuma limitação ou definição de conteúdo previamente estabelecido, infinitos seriam os argumentos utilizados para a sua defesa, podendo inclusive ser a favor do direito vigente. Nesse caso, considerando um direito em especifico como absoluto ou mitigando algum direito em detrimento a outro direito, ou até mesmo radicalmente oposto a tal ordem jurídica, o que determinará sua posição quanto ao direito que deve prevalecer se dará através de um método de ponderação (DWORKIN, 2002, p. 145-146).
Suponhamos que minha teoria política afirme que todo homem tem direito à propriedade de outro desde que dela necessite mais. Eu posso ainda admitir que ele não tem um direito legislativo com o mesmo sentido; em outras palavras, eu posso admitir que ele não tem nenhum direito institucional a que a presente legislatura promulgue uma lei que viole a Constituição, algo que tal lei presumivelmente faria. Também posso admitir que ele não tem nenhum direito institucional a uma decisão judicial que perdoe o roubo. Mesmo que eu faça essas concessões, posso manter minha alegação inicial, argumentando que as pessoas, em seu conjunto, têm uma justificação para emendar a Constituição com o fito de abolir a propriedade, ou talvez para se rebelar e derrubar por completo a atual forma de governo. Eu posso alegar que cada homem possui um direito preferencial residual que pode justificar ou exigir tais atos, mesmo que eu conceda que ele não tem direito a decisões institucionais específicas, quando se considera como essas instituições estão atualmente constituídas. (DWORKIN, 2002, p. 145-146).
Desse modo, não haveria em um primeiro momento nenhuma relação necessária entre o direito e a política, reafirmando e ressaltando que tal disposição tão somente é verdadeira se considerada a política em si, exercida sem nenhum limite ou definição prévia de conteúdo. A criação e execução de políticas públicas visam à materialização da vontade constitucional, no sentido de proporcionar o atendimento às necessidades daqueles indivíduos submetidos a sua seara de atuação. Desta feita, as políticas públicas tem por objeto a promoção daqueles direitos decorrentes da vontade do constituinte[1].
Corroborando com este entendimento, Guilherme Amorim Campos da Silva (2004 apud FREIRE JUNIOR, 2005, p. 47) aponta para a questão etimológica[2] da expressão “politicas públicas”, uma vez que em se tratando de política, qualquer tema assume um caráter público, além do que destaca a importância destas ações para o desenvolvimento social do Estado. Podemos então sintetizar o entendimento sobre politicas públicas como sendo uma série de medidas oriundas do Estado que, em regra, originam-se em uma conjugação de ações entre as funções legislativa e executiva do Estado.
Ao Poder Legislativo compete constitucionalmente a tarefa de fornecer o amparo legislativo para as políticas públicas, delimitando-as em caráter geral e abstrato, criando assim uma base para a atuação do Poder Executivo. Pelo que lhe é atribuído deliberar, vale destacar: as diretrizes e objetivos da Administração Pública (art. 165 §1º da CRFB/88), as metas e prioridades (art. 165 §2º da CRFB/88), e os planos e programas nacionais (art. 165 § 4º da CRFB/88). Por sua vez, ao Poder Executivo é atribuída a competência para efetivar as políticas públicas, agindo de maneira discricionária para a concretização das mesmas, sempre dentro daquilo que foi previamente delimitado na esfera legislativa. A partir dos instrumentos que lhe permitem a emissão de mandamentos infranormativos, o Executivo analisaria a realidade social contemporânea, identificando quais são as reais necessidades sociais e agindo sobre elas, do modo mais eficaz quanto possível.
Como já exposto, as políticas públicas advêm da atividade política do Estado, que ostenta características distintas de sua atividade jurisdicional, sendo que as execuções das mesmas estão intimamente ligadas com a concretização dos direitos e garantias fundamentais expostos em nossa constituição, em especial os da ordem social. Ressalte-se, porém que a discricionariedade do administrador público esbarra na sua obrigação constitucionalmente prevista de criar uma atmosfera favorável a efetivação dos direitos fundamentais, por meio de politicas públicas voltadas aos interesses do povo[3].
Nesta esteira, podemos concluir que as politicas públicas se apresentam como um instrumento pelo qual o Estado deve materializar as normas constitucionais, gerais e abstratas, seja diretamente por seus órgãos, seja indiretamente, por meio da sociedade civil organizada, com o fim de atingir o bem comum e conferir ao povo o gozo dos direitos fundamentais.

NOTAS:
[1] Eros Grau (2000, p. 21) destaca que “a expressão política pública designa atuação do Estado, desde a pressuposição de uma bem demarcada separação entre o Estado e sociedade [...]. A expressão políticas públicas designa todas as atuações do Estado, cobrindo todas as formas de intervenção do poder público na vida social”.
[2] A utilização da expressão política pública é redundante, verdadeiro pleonasmo, mas em cuja utilização centramos nossos esforços, tendo em vista que desejamos agregar ao fim social, que busca alcançar, qualquer atividade identificada na Constituição federal, como meta a ser alcançada pelos grupos de competências outorgadas, a qualificação de pública.
[3] No entendimento de Valmir Pontes Filho (2003 apud FREIRE JUNIOR, 2005, p. 49), quaisquer que sejam os programas e projetos governamentais, ou eles se ajustam aos princípios e diretrizes constitucionais ou, inexoravelmente, haverão de ser tidos como inválidos, juridicamente insubsistentes e, portanto, sujeitos ao mesmo controle jurisdicional da constitucionalidade a que se submetem as leis. Como igualmente ponderado é observar que a abstinência do governo em tornar concretos, reais, os fins e objetivos inseridos em tais princípios e diretrizes constituirá, inelutavelmente, uma forma clara de ofensa à Constituição e, consequentemente, de violação de direitos subjetivos dos cidadãos. 


REFERÊNCIAS:
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Traduzido por Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. Coleção direito e justiça.
FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê. O controle judicial de politicas públicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
                                                                                          
Glalber Queiroz é Mestre em Segurança Pública, Especialista em Direito Público e Graduado em Direito. E-mail: glalberqueiroz@gmail.com

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