O Estado Democrático de Direito
instituído pela Carta Politica de 1988, estabeleceu o controle independente das
politicas públicas desenvolvidas pelos Poderes Legislativo e Executivo. Caracterizada
pela série de dispositivos que visam não só a promoção da dignidade da pessoa
humana entre seus cidadãos, mas também uma transformação social dentro do
território brasileiro, a Constituição de 1988 concede vários direitos aos seus
cidadãos, dentre eles alguns de matriz liberal que exige prestações negativas por
parte do Estado, como por exemplo, parte dos ditames previstos no artigo 5º, além
de outros, que dependem necessariamente de uma ação positiva para sua
efetivação, herança do Estado Social, podendo ser exemplificados no art. 6º de
nossa constituição.
Entretanto, antes de adentrar definitivamente
ao conceito de políticas públicas, é imprescindível abordar o aspecto da
política dentro do Estado. Ronald Dworkin (2002, p. 36) aborda a dicotomia
entre a politica, que seria ligada a atividade do estado e exercida
principalmente por sua função legislativa e administrativa, e os princípios,
típicos da função jurisdicional exercida pelo judiciário:
Denomino “política” aquele tipo de padrão que
estabelece um objetivo a ser alcançado, em geral uma melhoria em algum aspecto
econômico, político ou social da comunidade (ainda que certos objetivos sejam
negativos pelo fato de estipularem que algum estado atual deve ser protegido
contra mudanças adversas). Denomino “princípio” um padrão que deve ser
observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica, política
ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência da justiça ou equidade
ou alguma outra dimensão da moralidade. Assim, o padrão que estabelece que os
acidentes automobilísticos devem ser reduzidos é uma política e o padrão
segundo o qual nenhum homem deve beneficiar-se de seus próprios delitos é um
princípio. (DWORKIN, 2002, p. 36).
Os argumentos de política se destinam a estabelecer
um objetivo coletivo, enquanto os argumentos de princípios, em razão de estes
serem caracterizados pelas proposições que elencam direitos, visam ao
estabelecimento de um direito individual (DWORKIN, 2002, p. 141). Dworkin ainda
traça uma relação entre o direito e a política, como meio de se atingir a
determinado objetivo. Ao considerar a política como exercida sem nenhuma
limitação ou definição de conteúdo previamente estabelecido, infinitos seriam
os argumentos utilizados para a sua defesa, podendo inclusive ser a favor do
direito vigente. Nesse caso, considerando um direito em especifico como
absoluto ou mitigando algum direito em detrimento a outro direito, ou até mesmo
radicalmente oposto a tal ordem jurídica, o que determinará sua posição quanto
ao direito que deve prevalecer se dará através de um método de ponderação (DWORKIN,
2002, p. 145-146).
Suponhamos que minha teoria política afirme
que todo homem tem direito à propriedade de outro desde que dela necessite
mais. Eu posso ainda admitir que ele não tem um direito legislativo com o mesmo
sentido; em outras palavras, eu posso admitir que ele não tem nenhum direito
institucional a que a presente legislatura promulgue uma lei que viole a
Constituição, algo que tal lei presumivelmente faria. Também posso admitir que
ele não tem nenhum direito institucional a uma decisão judicial que perdoe o
roubo. Mesmo que eu faça essas concessões, posso manter minha alegação inicial,
argumentando que as pessoas, em seu conjunto, têm uma justificação para emendar
a Constituição com o fito de abolir a propriedade, ou talvez para se rebelar e
derrubar por completo a atual forma de governo. Eu posso alegar que cada homem
possui um direito preferencial residual que pode justificar ou exigir tais
atos, mesmo que eu conceda que ele não tem direito a decisões institucionais
específicas, quando se considera como essas instituições estão atualmente
constituídas. (DWORKIN, 2002, p. 145-146).
Desse modo, não haveria em um primeiro
momento nenhuma relação necessária entre o direito e a política, reafirmando e
ressaltando que tal disposição tão somente é verdadeira se considerada a
política em si, exercida sem nenhum limite ou definição prévia de conteúdo. A
criação e execução de políticas públicas visam à materialização da vontade
constitucional, no sentido de proporcionar o atendimento às necessidades
daqueles indivíduos submetidos a sua seara de atuação. Desta feita, as políticas
públicas tem por objeto a promoção daqueles direitos decorrentes da vontade do
constituinte[1].
Corroborando com este entendimento, Guilherme
Amorim Campos da Silva (2004 apud FREIRE
JUNIOR, 2005, p. 47) aponta para a questão etimológica[2] da
expressão “politicas públicas”, uma vez que em se tratando de política,
qualquer tema assume um caráter público, além do que destaca a importância
destas ações para o desenvolvimento social do Estado. Podemos então sintetizar o entendimento sobre politicas públicas como
sendo uma série de medidas oriundas do Estado que, em regra, originam-se
em uma conjugação de ações entre as funções legislativa e executiva do Estado.
Ao Poder Legislativo compete constitucionalmente
a tarefa de fornecer o amparo legislativo para as políticas públicas,
delimitando-as em caráter geral e abstrato, criando assim uma base para a
atuação do Poder Executivo. Pelo que lhe é atribuído deliberar, vale destacar: as
diretrizes e objetivos da Administração Pública (art. 165 §1º da CRFB/88), as
metas e prioridades (art. 165 §2º da CRFB/88), e os planos e programas
nacionais (art. 165 § 4º da CRFB/88). Por sua vez, ao Poder Executivo é atribuída
a competência para efetivar as políticas públicas, agindo de maneira
discricionária para a concretização das mesmas, sempre dentro daquilo que foi
previamente delimitado na esfera legislativa. A partir dos instrumentos que lhe
permitem a emissão de mandamentos infranormativos, o Executivo analisaria a
realidade social contemporânea, identificando quais são as reais necessidades
sociais e agindo sobre elas, do modo mais eficaz quanto possível.
Como já exposto, as políticas públicas
advêm da atividade política do Estado, que ostenta características distintas de
sua atividade jurisdicional, sendo que as execuções das mesmas estão
intimamente ligadas com a concretização dos direitos e garantias fundamentais
expostos em nossa constituição, em especial os da ordem social. Ressalte-se,
porém que a discricionariedade do administrador público esbarra na sua
obrigação constitucionalmente prevista de criar uma atmosfera favorável a
efetivação dos direitos fundamentais, por meio de politicas públicas voltadas
aos interesses do povo[3].
Nesta esteira, podemos concluir que as
politicas públicas se apresentam como um instrumento pelo qual o Estado deve materializar
as normas constitucionais, gerais e abstratas, seja diretamente por seus
órgãos, seja indiretamente, por meio da sociedade civil organizada, com o fim
de atingir o bem comum e conferir ao povo o gozo dos direitos fundamentais.
NOTAS:
[1] Eros Grau (2000, p. 21) destaca
que “a expressão política pública designa atuação do Estado, desde a
pressuposição de uma bem demarcada separação entre o Estado e sociedade [...].
A expressão políticas públicas designa todas as atuações do Estado, cobrindo
todas as formas de intervenção do poder público na vida social”.
[2] A utilização da
expressão política pública é redundante, verdadeiro pleonasmo, mas em cuja
utilização centramos nossos esforços, tendo em vista que desejamos agregar ao
fim social, que busca alcançar, qualquer atividade identificada na Constituição
federal, como meta a ser alcançada pelos grupos de competências outorgadas, a
qualificação de pública.
[3] No entendimento
de Valmir Pontes Filho (2003 apud FREIRE
JUNIOR, 2005, p. 49), quaisquer que sejam os programas e projetos
governamentais, ou eles se ajustam aos princípios e diretrizes constitucionais
ou, inexoravelmente, haverão de ser tidos como inválidos, juridicamente
insubsistentes e, portanto, sujeitos ao mesmo controle jurisdicional da
constitucionalidade a que se submetem as leis. Como igualmente ponderado é
observar que a abstinência do governo em tornar concretos, reais, os fins e
objetivos inseridos em tais princípios e diretrizes constituirá,
inelutavelmente, uma forma clara de ofensa à Constituição e, consequentemente,
de violação de direitos subjetivos dos cidadãos.
REFERÊNCIAS:
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Traduzido por Nelson Boeira. São
Paulo: Martins Fontes, 2002. Coleção direito e justiça.
FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê. O controle judicial de politicas públicas.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto.
3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
Glalber Queiroz é Mestre em Segurança Pública, Especialista em Direito Público e Graduado em Direito. E-mail: glalberqueiroz@gmail.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Agradecemos sua participação.