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sexta-feira, 8 de julho de 2016

DIREITO CONSTITUCIONAL: BREVES COMENTÁRIOS SOBRE O NEOCONSTITUCIONALISMO

Movimento oriundo da evolução da teoria constitucional, o neoconstitucionalismo guarda em sua essência a busca pela interpretação da constituição sob o prisma de garantidora dos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, no sentido de se estabelecer como norma superior a todas as outras no âmbito de cada Estado.
O Estado Democrático de Direito tal como é concebido hoje, é consequência de uma série de acontecimentos que marcaram a história das civilizações ocidentais. Assim, cada período da história contribuiu para seu desenvolvimento, especialmente no que diz respeito às formas de limitação do poder do Estado perante o individuo.
Conforme ensinamentos de John Locke, nos primórdios, os homens gozavam de plena liberdade, não sendo submetidos a quaisquer regras, exceto às leis da natureza. No entanto, com o advento da vida em sociedade, houve a necessidade de uma série de medidas no sentido de proporcionar a paz social ameaçada pelos conflitos dos mais diversos interesses individuais. Assim sendo, determinadas regras foram impostas aos integrantes daquela coletividade, bem como, houve a instituição de um governo que obrigasse a todos a sua observação.
Com o decorrer da história, a experiência revela a necessidade do controle da ação deste governo aplicador das normas de convívio, e já em 1215 na Inglaterra, foi criado, através da Magna Carta, o Parlamento, restringindo o poder monárquico[1].
Ao se analisar a regulação das ações do Estado para com o seu cidadão, pode-se verificar, sem muito esforço, as grandes mudanças sofridas ao longo dos tempos, principalmente, posteriormente a queda do modelo absolutista, que possui por característica primordial a total centralização do poder nas mãos de um soberano que o exerce ilimitadamente de acordo com suas convicções e vontades, não admitindo qualquer forma de controle senão ao de sua própria vontade.
Ademais, dota-se de todas as medidas ao seu alcance no sentido de manter sua hegemonia, lançando mão de toda a máquina estatal em prol da satisfação de seus interesses, exigindo para tanto a total submissão do indivíduo ao seu arbítrio.
Com a eventual queda de tal regime, as vozes libertárias clamavam pelo afastamento do Estado nas questões particulares dos indivíduos. Em vista disso, elevadas doses de liberdade foram aplicadas às relações particulares, no intuito de curar as feridas causadas pelo intervencionismo exacerbado. Eis que a total reverência ao príncipe dá lugar ao seu completo absenteísmo, pois os ideais de liberdade dão ensejo a um modelo de Estado caracterizado pelo total antagonismo a intromissão na vida privada dos súditos, assim sendo, o Estado Mínimo, se distingue pelo completo desprendimento estatal. J. J. Gomes Canotilho expõe a partir de sua obra, o que considera um conceito ideal de constituição, originado em razão do triunfo do movimento constitucional indicado no século XIX:
Este conceito ideal identifica-se fundamentalmente com os postulados políticos-liberais, considerando-os como elementos materiais caracterizadores e distintivos os seguintes: (a) a constituição deve consagrar um sistema de garantias da liberdade (esta essencialmente concebida no sentido do reconhecimento de direitos individuais e da participação dos cidadãos nos atos do poder legislativo através do parlamento); (b) a constituição contém o principio da divisão de poderes, no sentido de garantia orgânica contra os abusos dos poderes estatais; [...]. (CANOTILHO, 1993, apud MORAES, 2007, p. 02).
Segundo Gustavo Binenbojm (2004, p. 15-16), é no liberalismo que surge a primeira ideia de Direitos e Garantias Fundamentais, a partir da redução do intervencionismo estatal na seara da vida particular dos indivíduos, constituindo por si só uma grande evolução, que fundamentou e proporcionou as bases para a criação de um instrumento forte o suficiente para o estabelecimento desses direitos, qual seja, a Teoria do Constitucionalismo:
É nesse período, quando as monarquias absolutistas entram em colapso, que toma força a ideia de submissão da ação estatal a uma norma positiva que deve vincular a existência mesma dos poderes e garantir a incolumidade das liberdades individuais frente ao Estado. A Constituição surge, assim, como exigência de limitação e racionalização do poder real, até então absoluto, que passa a curvar-se aos interesses da nova classe dominante. (BINENBOJM, 2004, p. 15-16).
O afastamento demasiado das intervenções estatais, até encarado como antídoto para as moléstias do cidadão, fracassa como modelo de gestão, dentre outros motivos, por não atender as necessidades de toda a população de modo igualitário. O fracasso do ideal liberalista serviu para expor que a vida em sociedade necessita de certo grau de regulação, ao contrario dos discursos dos defensores do modo estatal liberal. O Estado é então chamado a tutelar os direitos do cidadão, e da consequente necessidade de uma ação protetiva para com o cidadão, emerge o Estado Social, que vislumbrava acima de tudo, a garantia dos direitos sociais.
Os princípios do liberalismo, voltados para a proteção da liberdade e da igualdade, tinham-se mostrado insuficientes para debelar a profunda desigualdade. Consolida-se assim, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, o “Estado Social” [...]. Não mais se pressupõe a igualdade entre os homens, conforme se afirmava no período anterior, quando a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, afirmava, logo no art. 1º, que os “homens nascem e são livres e iguais em direitos”, a aplicação dessa norma produzira profundas desigualdades sociais. Atribui-se, então, ao Estado, em sua nova concepção, a missão de fomentar essa igualdade [...]. (PALU, 2004, p. 60).
Assim sendo, agora ao Estado caberiam as medidas que visassem a garantir os novos direitos concedidos ao indivíduo, voltados desta vez à promoção da igualdade material entre os homens, uma vez que não podem ser obtidos se não por uma conduta positiva do Estado, ao contrário das liberdades conquistadas com o advento do liberalismo, que se faziam presente tão somente com a omissão do Estado, criou-se uma nova classificação para tais direitos, que passaram a constituir a segunda dimensão/geração dos direitos e garantias fundamentais.
Todos esses novos direitos adquiridos pelo cidadão encontraram, tal como as liberdades anteriores a eles, espaço de proteção no texto constitucional. Contudo, uma vez que esses direitos dependiam necessariamente da atitude positiva do Estado para sua efetivação, dentro do Constitucionalismo tipicamente liberal, o papel de estabelecimento concreto dos direitos cabia à lei, sendo que o texto constitucional assumia uma feição instrutora, direcionadora, não ostentando uma força cogente suficiente para embasar uma exigência, tornar-se-ia vazia a garantia de tais direitos. No entanto, o modelo Social não abarcou conceitos de ordem democrática, o que oportunizou o advento de Estados que, não obstante carregarem bandeiras de militância social se mostraram totalmente adversos a democracia.
A Alemanha nazista, a Itália fascista, A Espanha franquista, Portugal Salazarista, a Inglaterra de Churchill e Attlee, a França com a Quarta República, especialmente e o Brasil, desde a Revolução de 30 – Bem Observa Paulo Bonavides – foram “Estados sociais”, o que evidencia, conclui que o Estado social se compadece com regimes políticos antagônicos, como sejam a democracia, o fascismo e o nacional-socialismo. (SILVA, 2007, p. 116).
Nesse contexto que surge ainda dentro do modelo de estado social, uma nova leitura da teoria constitucional vigente, o qual veio ser denominado de neoconstitucionalismo, que substitui a ideia imperante até o momento, do princípio da legalidade liberal, veiculada e defendida pelo pensamento positivista, na qual a lei, tendo vinculada na constituição apenas seu processo de produção e a legitimidade necessária para tal, poderia assumir qualquer conteúdo, dando vazão, por exemplo, a regimes totalitários conhecidos, como os da Alemanha e Itália do século XX.
O neoconstitucionalismo dispensa ao texto constitucional um enfoque preponderante dentro do ordenamento jurídico, pois atribui a ela um caráter normativo, uma força vinculante, não devendo ser considerada mera carta de intenções e desejos da sociedade. O teor das constituições é de caráter cogente, impõe o cumprimento compulsório do que preleciona, não havendo margem a dúvidas quanto à necessidade de sua plena observação, principalmente no que tange a proteção e defesa dos interesses da população carente e menos assistida, do ponto de vista social, politico e econômico.
A norma constitucional não tem existência autônoma em face da realidade. A sua essência reside na sua vigência, ou seja, a situação por ela regulada pretende ser concretizada na realidade. [...] A Constituição não configura, portanto, apenas expressão de um ser, mas também de um dever ser; ela significa mais do que o simples reflexo das condições fáticas de sua vigência, particularmente as forças sociais e políticas. Graças à pretensão de eficácia, a Constituição procura imprimir ordem de conformação à realidade política e social. (HESSE, 1991, p. 14-15).
Sob essa perspectiva, a constituição tem uma força normativa e ocupa a cúspide de um determinado ordenamento jurídico. Portanto, sua hermenêutica do texto das cartas constitucionais deixa de lado um caráter estritamente político, repleto de meras orientações jurídicas e procedimentais, ao tomar seu merecido lugar de destaque dentro do ordenamento jurídico, impondo a materialização uma série de direitos e deveres.
A percepção de que as maiorias políticas podem perpetrar ou acumpliciar-se com a barbárie, como ocorrera no nazismo alemão, levou as novas constituições a criarem ou fortalecerem a jurisdição constitucional, instituindo mecanismos potentes de proteção dos direitos fundamentais mesmo em face do legislador. Sob esta perspectiva, a concepção de Constituição na Europa aproximou-se daquela existente nos Estados Unidos, onde, desde os primórdios do constitucionalismo, entende-se que a Constituição é autêntica norma jurídica, que limita o exercício do Poder Legislativo e pode justificar a invalidação de leis. [...] As constituições europeias do 2º pós-guerra não são cartas procedimentais, que quase tudo deixam para as decisões das maiorias legislativas, mas sim documentos repletos de normas impregnadas de elevado teor axiológico, que contêm importantes decisões substantivas e se debruçam sobre uma ampla variedade de temas que outrora não eram tratados pelas constituições, como a economia, as relações de trabalho e a família. (SARMENTO, 2013, p. 5-6).
O neoconstitucionalismo busca fomentar uma constituição garantidora dos direitos e garantias fundamentais, no sentido de se estabelecer como norma superior a todas as outras no âmbito do Estado. Para esse modelo de interpretação constitucional, o que define um direito como constitucional depende de sua natureza, de modo que podem ser elencados em dois grandes grupos: o primeiro, sobre a organização, competências, funções e separação dos poderes do Estado e, o segundo, voltado à limitação do poder estatal, direcionado a estabelecer os direitos fundamentais do indivíduo.
  
NOTAS:
 [1] Paulo Fernando Silveira (1999, p. 83) ensina que na Inglaterra em 1215, o judiciário, apesar de faticamente independente, constituía órgão submetido ao rei (King Bench). Por isso, Locke só se referiu aos poderes legislativo e executivo, mesmo nas monarquias moderadas. 

REFERÊNCIAS:
BINENBOJM, Gustavo.  A nova jurisdição constitucional brasileira: legitimidade democrática e instrumentos de realização. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2007.
PALU, Oswaldo Luiz. Controle dos atos de governo pela jurisdição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
SARMENTO, Daniel. O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades. Disponível em: <http://empreendimentosjuridicos.com.br/docs/daniel_sarmento_o_neoconstitucionalismo_no_brasil1.pdf> Acesso em: 19 ago. 2015.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 29. ed. rev. e atualizada até a Emenda Constitucional n. 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007.
SILVEIRA, Paulo Fernando. Freios e contrapesos (checks and balances). Belo Horizonte: Del Rey, 1999.
                                                                                          
Glalber Queiroz é Mestre em Segurança Pública, Especialista em Direito Público e Graduado em Direito. E-mail: glalberqueiroz@gmail.com

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