Postagens populares

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

DIREITO ADMINISTRATIVO: A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NÃO PODE EXIGIR DEVOLUÇÃO DA REMUNERAÇÃO RECEBIDA DE BOA-FÉ PELO SERVIDOR

A constituição Federal de 1988 elenca uma série de princípios como uma das fontes do direito, devendo estes ser observados como a pedra anular para todo o ordenamento jurídico brasileiro.
Dentre tais princípios, destacamos aqueles que constam expressos no artigo 37 do Texto Magno, que versa acerca dos princípios da administração pública, quais sejam: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Assim, de acordo com o que expressa o referido dispositivo constitucional “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”’.
Conforme clássica afirmação de Hely Lopes Meirelles sobre o princípio da legalidade administrativa:
A legalidade, como princípio de administração, significa que o administrador público está, em toda sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei, e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.
Neste diapasão, o administrador da coisa pública se distingue de um gestor privado, na medida em que este, segundo Henrique Savonitti Miranda, “conduz seu empreendimento com dominus, agindo com os poderes inerentes à propriedade em toda a sua extensão”.
Assim, enquanto que no âmbito privado o administrador pode realizar tudo aquilo que não é vedado pelo ordenamento jurídico, gestor da res pública deve regular seus atos ao que está previsto em lei. Ao administrador público cabe atuar com a finalidade de atender ao interesse público, que é definido pelo ordenamento jurídico.
Ao passo em que o ser humano é falho, portanto, suscetível ao erro, por vezes, certos atos administrativos, ocorrem em razão de interpretação equivocada de determinado diploma legal. Para alguns desses casos, a administração pública detém faculdade de rever seus próprios atos, denominado princípio da autotutela.
O princípio da autotutela a administração pública detém autorização para controlar seus próprios atos, podendo reanalisar determinados atos, desde que devidamente motivados, e anular aqueles praticados ilegalmente, bem como revogar os que fogem a oportunidade e conveniência do interesse público.
Em consonância que dispõe a Súmula 346, do Supremo Tribunal Federal: "a administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos". Seguidamente, a Corte Superior do Brasi editou a Súmula 473, que assevera que "a administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial".
O principio da autotutela pretende assegurar que a administração pública destine o devido zelo aos bens que integram seu patrimônio, sem a necessidade de título fornecido pelo Judiciário.
O exercício da autotutela administrativa pode ser aplicado em diversos casos, no âmbito das rotinas cotidianas dos gestores públicos. Mas existem certas imitações. Um deles é nos casos em que o administrador público efetua a remuneração em monta superior ao que deveria, sendo auferida de boa-fé pelo servidor.
Nesses casos, a autotutela da administração pública deve se limitar em fazer cessar o pagamento indevido, sendo os já realizados insuscetíveis de ressarcimento. Mesmo nos casos em que há vício nos pagamentos feitos ao servidor, desde que o equivoco na remuneração proveio única e exclusivamente da própria Administração Pública em decorrência de interpretação equivocada ou má aplicação da lei.
Tal entendimento é pacifico no STJ, que já disse ser incabível a restituição ao erário dos valores recebidos de boa-fé pelo servidor público em decorrência de errônea ou inadequada interpretação da lei por parte da Administração Pública.
Em virtude do princípio da legítima confiança, o servidor público, em regra, tem a justa expectativa de que são legais os valores pagos pela Administração Pública, porque jungida à legalidade estrita.
Assim, diante da ausência da comprovação da má-fé no recebimento dos valores pagos indevidamente por erro de direito da Administração, não se pode efetuar qualquer desconto na remuneração do servidor público, a título de reposição ao erário, conforme se verifica no excerto extraído da decisão proferida pelo Ministro Benedito Gonçalves:
Quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público. (BRASIL, 2012).
Outra decisão proferida por esta mesma Corte Superior, que corrobora para a confirmação da tese defendida acima, preleciona que “quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei e isto resulta no pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, o que impede que ocorra o respectivo desconto, ante a boa-fé do servidor público” (BRASIL, 2013).
Desta feita, o administrador público deve atuar dentro dos ditames legais, buscando a aplicação rigorosa das normas jurídicas a que está submetido a fim de garantir o devido atendimento do interesse público, ao evitar prejuízos ao erário que ocorrem quando os recursos financeiros são aplicados erroneamente.

REFERENCIAS:
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial: 1244182 PB 2011/0059104-1, Relator: Ministro Benedito Gonçalves, Data de Julgamento: 10 out 2012, S1, PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: Diário de Justiça de 19 out 2012.
______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimenta no Recurso Especial: 1352459 AC 2012/0072502-6, Relator: Ministro Mauro Campbell Marques, Data de Julgamento: 03 out 2013, T2, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: Diário de Justiça de 11 out 2013.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 37. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
MIRANDA, Henrique Savonitti. Curso de direito administrativo. 3. ed. Brasília: Senado Federal, 2005.


Glalber da Costa Cypreste Queiroz é Mestre em Segurança Pública, Especialista em Direito Público e Graduado em Direito. E-mail: glalberqueiroz@gmail.com